segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Menino do céu? Venhas brincar conosco na Terra!

Aprendi a gostar dos versos de Fernando Pessoa, quando era ainda bem menina; ele é um dos meus poetas preferidos, assim como Florbela Espanca, apenas para ficar nos meus  queridos ancestrais. Gosto muito quando eles conseguem, não sem um certo sofrimento existencial, tirar a capa de obscuridade  das coisas, dos fatos, das circunstâncias e das pessoas. 

A vez é a de Fernando Pessoa - Hoje, por exemplo, transcrevo os versos do poeta lusitano. Amanhã? Penso nos trechos da excelente prosa de Charles Dickens. Você gosta do que eles escreveram? Eu gosto muito.  A ilustração convidativa à brincadeira infantil anunciada pelo poeta português é do Sergio Bastos, querido companheiro de muitos livros que ainda escreveremos sobre crianças, educação, Belém e amor à Amazônia.



Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir  e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
(...)
Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se  de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério.
(...)
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
(...)
........................................
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o  humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
(...)

(Fernando Pessoa , O guardador de rebanhos,  in  O eu profundo e os outros eus: seleção poética, Aguilar)  

Até a próxima!

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